O GLOBO
A criação do SNM é uma cortina de fumaça, fruto do desespero do governo, que está perdendo apoio eleitoral e é pressionado internacionalmente para tomar medidas contra o desmatamento e as queimadas. Com a falta de boas notícias, resolve amordaçar o Inpe, que é um mensageiro independente.
O Inpe está vulnerável desde a saída do Ricardo Galvão, que foi exonerado por defendê-lo dos ataques de Bolsonaro. Foi substituído interinamente por um militar (Darton Policarpo Damião) e agora por um civil (Clezio de Nardin) que é tão fraco quanto o ministro (de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes). Eles não defendem o Inpe, e outros órgãos estão tirando proveito para tomar funções que o instituto desempenha há décadas. O Inmet quer divulgar dados sobre queimadas, mas o que ele sabe sobre isso? Nada. É de um primarismo vergonhoso.
O Inpe pode perder o controle de outras funções, como a divulgação dos dados do desmatamento?
Claro. O Censipam, que é um órgão do Ministério da Defesa, já tentou várias vezes assumir esse papel, mas esbarrou em reações. O Censipam diz que tem dados sobre desmatamento, só que ninguém nunca viu. Então, qual é sua credibilidade? As Forças Armadas querem controlar a produção de informações sobre a Amazônia. A questão não é se o Inpe será novamente usurpado, e sim quando isso ocorrerá.
Como é a relação do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, com o instituto?
É muito fraca. Leite não buscou aproximação com o Inpe. Ele era membro da Sociedade Rural Brasileira, foi cria do (ex-ministro Ricardo) Salles, não tem formação ambiental. Não dá para ter esperança com ele.
A área sob alerta de devastação da Amazônia no primeiro semestre foi 17% maior do que a vista no mesmo período de 2020. O Prodes, que mede o desmate anual, apontará um valor superior ao do ano passado, que foi o mais elevado desde 2008?
Tudo indica que sim. Mas, mesmo se mantivermos os níveis do ano passado (10.851 km² de florestas devastadas), será uma péssima notícia. Assinamos compromissos internacionais para reduzir o desmatamento e jogamos tudo pela janela. Mas o Prodes não é minha maior preocupação.
Qual é?
O avanço no Legislativo de projetos de lei que dão anistia à grilagem. Quando o Código Florestal foi sancionado em 2012, houve um acordo: não multaremos quem desmatou dentro de suas reservas, mas daremos um prazo para recuperar a vegetação. Agora, o Congresso está desenhando um novo arranjo jurídico que acaba com esta expectativa de revitalização e pode inviabilizar o combate a novas devastações.
As doações estrangeiras ao Fundo Amazônia podem voltar?
Só depois de 2022. Não com Bolsonaro, Mourão e Joaquim Leite.
No ano passado, o senhor lançou uma “anticandidatura” para a direção do Inpe, em protesto contra a militarização do órgão. Como é hoje a presença das Forças Armadas no instituto?
Hoje, a militarização é um problema da Agência Espacial Brasileira (autarquia do Ministério da Ciência e Tecnologia). É um órgão civil, mas que infelizmente tem pouco interesse em projetos civis. Deveria apoiar as empresas e os centros de pesquisa, como o Inpe. No entanto, dá mais atenção ao funcionamento da base de Alcântara, que é uma questão geopolítica. Os militares deveriam atuar no Ministério da Defesa.
Qual será a importância do debate ambiental na próxima eleição presidencial?
Difícil saber. O Lula disse recentemente que, em seu governo, reduziu 80% do desmatamento da Amazônia. É verdade. Mas ele tratava o Ministério do Meio Ambiente como um órgão à parte, que não estava inserido em uma estratégia de desenvolvimento nacional, como as pastas de Educação e Saúde.
Se tiver o mínimo de discernimento, verá que o mundo mudou, e que o Brasil precisa se transformar também. O meio ambiente não é mais um assunto periférico. Na semana passada, o jornal Financial Times afirmou que o Brasil deveria pagar pelo desmatamento da Amazônia. Dez anos atrás, esse discurso era exclusivo de ONGs como o Greenpeace. Se não nos apresentarmos como um país do qual a área ambiental está ligada ao projeto econômico, continuaremos irrelevantes no cenário internacional.